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Joséhine Baker: primeira mulher negra a ser intronizada no Panteão


Das ointenta personalidades sepultadas no Panteão de Paris, apenas cinco são mulheres. São elas Sophie Berthelot (esposa do químico Marcellin Berthelot também lá sepultado), Marie Curie (Prêmio Nobel de física e química), Germaine Tillion e Geneviève de Gaulle Anthonioz (figuras da Resistência durante a Segunda Guerra Mundial), Simone Veil (figura emblemática do feminismo, personalidade política e membra da Academia Francesa).
 

No próximo dia 30 de novembro, a bailarina, figura da Resistência e militante antirracista Joséphine Baker acrescerá essa lista tornando-se a primeira mulher negra a ser intronizada no majestoso monumento. É de se comemorar. No entanto, um certo amargor me veio à boca à medida que fui lendo essa notícia nos portais nacionais. Segundo o diário Paris-Match, a aprovação da entrada de Joséphine no Panteão foi unanimemente aprovada pelo conjunto da classe política francesa, aprovação essa baseada nos tuítes de políticos de partidos tais quais o PCF (Partido Comunista), o RN (partido de extrema-direita), assim como o PS (Partido Socialista) e o LREM (partido governista de centro-direita).

Na realidade, a decisão do Presidente Macron de aceitar a intronização de Joséphine Baker até reacendeu algumas polêmicas que evocarei a seguir. Mas antes disso, gostaria de propor uma reflexão: qual é a carga simbólica contida na intronização de Baker como sendo a primeira mulher negra honrosamente sepultada na necrópole que acolhe aqueles e aquelas que marcaram a história do país?

Joséphine Baker nasceu no estado de Missouri, nos Estados Unidos, em 1906. Ela era filha de artistas e desde criança precisou alternar entre as aulas e o trabalho doméstico para ajudar nas despesas de casa. Casou-se pela primeira vez aos 13 anos mas o casamento durou pouco tempo e depois da separação Joséphine integrou um trio de artistas enquanto dançarina. Depois de ter viajado pela Filadélfia com essa trupe itinerante e ter estreado no mundo do music-hall na Broadway aos 16 anos, ela embarca para a França a convite de Caroline Reagan, esposa de um adido da embaixada americana em Paris. Nesse momento de grande efervescência ao redor do art nègre Reagan pretende montar o espetáculo La Revue Nègre, cuja estrela será Joséphine.

O espetáculo é um sucesso e a imagem de Joséphine Baker dançando charleston seminua, portando apenas um cinturão de bananas e plumas torna-se icônica. Sua carreira deslancha e no auge dos movimentos fauvista e cubista ela torna-se uma musa amplamente reconhecida na cena artística francesa. 

No início dos anos 30, Joséphine volta aos Estados-Unidos com o intuito de levar a sua arte até o seu país natal. No entanto, por causa do segregacionismo vigente, a artista sofre diversos ataques e é alvo de preconceito até mesmo nas casas de show em que tenta se produzir. Desiludida e profundamente magoada, volta para a França onde, segundo ela, pode ser livre e reconhecida apesar dos problemas raciais enfrentados também pela sociedade francesa.

Desde os primórdios da Segunda Guerra Mundial Joséphine participa de atividades de contra-espionagem por conta das forças armadas francesas. Ela era então casada com Jean Lion, um francês judeu, o que lhe permite adquirir a nacionalidade francesa. Graças ao seu engajamento e sua participação estratégica durante a guerra, Joséphine foi condecorada com cinco medalhas de honra sendo uma delas a Légion d'Honneur.

Depois da guerra, Joséphine Baker passa a encarnar o papel de embaixadora da alta-costura francesa. O país, empobrecido pela guerra, não tinha recursos para promover sua moda e Joséphine, amiga próxima de Christian Dior e Balmain passa a exibir as peças que ambos confeccionavam especialmente para ela. 

Joséphine nunca escondeu seu engajamento na causa antirracista. Fez-se porta-voz na Europa da indignação provocada pelo assassinato de Emmet Till em 1955 e sempre esteve próxima dos movimentos de defesa dos direitos cívicos e da luta pela emancipação e igualdade da população negra. Frequentou personalidades como Martin Luther King Jr. e Marcus Garvey, e participou da Harlem Rennaissance. 

A artista, militante e resistente faleceu em 1975 e sua sepultura atualmente se encontra em Mônaco, onde ficará até o traslado.

A entrada de Joséphine Baker no Panteão foi anunciada pelo presidente Macron no último dia 22 de agosto, após a petição online Osez Joséphine ! ter alcançado mais de 37000 votos. Segundo Laurent Kupferman que criou a petição em maio desse ano: "Nós precisamos nos unir. E ela encarna esse universalismo à francesa, que não tem evidentemente nada a ver com fechamento identitário". Segundo o mesmo, "Joséphine Baker atende a todos os quesitos para entrar no Panteão. Mulher de cor (sic) nascida americana e apaixonadamente francesa, resistente e militante em prol dos direitos civicos".

A colocação não deixa dúvidas. Joséphine Baker merece estar no Panteão por ter abraçado plenamente a cultura e o patriotismo francês, sendo a prova maior desse engajamento o seu papel ao lado dos Resistentes da Segunda Guerra Mundial. Quando se trata de render-lhe homenagens e expressar a aprovação da decisão presidencial, a atuação no combate ao racismo - aquele problema de americanos segregacionistas lá longe, é pormenorizado. A insistência no fato dela ser uma "mulher de cor", triste eufemismo usado por todos aqueles a quem a palavra "negra" ainda fere a boca, deixa um gosto amargo de token. Pior, insiste na ideia confortante mas já ultrapassada de que na França, país idealmente igualitário, não há racismo pois a nação é una e todos nascem iguais. O famoso "universalismo à francesa" referido por Kupfman, e que consiste em repetir das mais variadas maneiras que ok, talvez aqui tenha um pouco de preconceito, mas olha como nos Estados-Unidos é pior, tão horrivel que os americanos "de cor" vinham refugiar-se aqui para fugir da segregação institucional...

Além disso, Joséphine não conseguiu nem saborear seu momento de glória a sós, pois sua entrada no Panteão trouxe de volta a polêmica questão da (ainda não) intronização de Gisèle Halimi, advogada e figura importante do feminismo abertamente posicionada contra a Guerra da Argélia, falecida em 2020. Nada contra Halimi, muito pelo contrário. Só lamento que as manchetes, ao invés de exibirem "Viva Joséphine!", entoam "Que massa, Joséphine! Mas então, o que estávamos falando sobre a Gisèle mesmo..."

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